“Salve,
salve a cultura! As reflexões advindas de resgate histórico e experiências
singulares de outrora convidam, inquietam e clamam”
Por
Horácio Busolin
Júnior
Denis Fernando
João Vitor
Fedato
O homem moderno se vê perdido e imerso na selva de pedra que ele próprio
criou. O empobrecimento dos valores humanos, em detrimento da busca incessante
do lucro, destrói princípios, e cega o olhar da humanidade em relação ao meio
ambiente.
A peça Mahagonny encenada no
Teatro Estadual "Francisco Paulo Russo" em Araras, no dia 30 de abril de 2011, deu “um tapa na cara”
do público presente. O texto de Bertold Brecht permitiu a reflexão direta do
espectador, despertando o papel que cada um exerce na sociedade. Há várias
cenas da peça que mostram que o dinheiro tem mais valor que a vida humana. Mahagonny é uma cidade fictícia onde o
que vale é a diversão a qualquer custo ou mesmo nenhum. Dentro de um mar de
promiscuidade e devassidão, a história escancara que Mahagonny pode representar o planeta, e os habitantes dessa cidade,
perdida e afundada no fracasso, somos nós.
Nesse panorama assombroso, as artes podem contribuir e muito como meio de
propagação desses alertas. Livros, peças teatrais e artesanatos podem exercer
papel pedagógico significativo, e conscientizar as pessoas da importância da
sustentabilidade e da luta pela conservação da natureza. A obra cultural tem o
poder de influenciar a humanidade, e reatar os laços perdidos do Homem com a
Mãe Natureza.
1ª Festa das Árvores do Brasil, realizada há 110 anos |
Resgate das árvores esquecidas
Há 110 anos a pequena cidade de Araras, localizada no interior de São
Paulo, estava em
polvorosa. A rotina tranquila de uma cidade ainda rural seria
quebrada, para receber um dos movimentos ecológicos mais importantes do país na
época: a 1° Festa das Árvores do Brasil. A festa foi idealizada nos moldes do
“Arbor Day”, festa em comemoração às árvores realizada nos Estados Unidos, que
promovia discussão, e nesta iniciativa tentava enraizar a consciência ecológica
nas crianças, e cultivar no povo o amor pela natureza. No Brasil a festa foi
idealizada por Alberto Löfgren, João Pedro Cardoso e Coelho Neto. Preocupados
desde aquela época com a devastação das árvores, para construção de ferrovias,
esses homens lutaram para promover uma campanha em prol à natureza.
Em 1902, Löfgren, cientista sueco que era diretor do Horto Botânico de
São Paulo, já causava polêmica quando publicou o “Serviço Florestal do Estado
de São Paulo”. No artigo o cientista discorria sobre assuntos voltados a
proteção da natureza e as medidas preventivas e legislativas, que tinham como principal foco: despertar nas crianças o respeito pelas árvores.
A ideia da festa se fortaleceu quando João Pedro Cardoso, então inspetor
do 2° Distrito Agrícola de Araras, e Löfgren faziam parte do Centro de
Ciências, Letras e Artes de Campinas. Foi então nesse período que Pedro Cardoso
decidiu fazer a festa no município de Araras, onde teve irrestrito apoio da
Câmara Municipal. Estava lançada a festa que iria mudar os rumos do
ambientalismo no Brasil.
Esta história de luta pela natureza descrita acima foi perpetuada graças
ao trabalho árduo do pesquisador de história, biólogo e desenhista científico
ilustrador do Departamento de Botânica da Unesp de Rio Claro, Wenilton Daltro.
Em 2002, Daltro lançava seu segundo livro intitulado “História da Primeira
Festa das Árvores do Brasil".
O livro foi produzido com muito esforço, e lançado graças ao seu espírito
de eterno inquieto e questionador. O resgate, em documentar em livro a
história, se deu em aproximar os mais jovens do pioneirismo do evento no Brasil
da época. “Quando começou a se aproximar o centenário da Festa, notei que nada
havia até então que documentasse substancialmente o evento e seu pioneirismo, e
resolvi me entregar a empreitada de uma pesquisa profunda para compor um livro
para registrar definitivamente o feito”, relatou o pesquisador.
Todas as atividades da festa foram relatadas minuciosamente no livro. Em
uma fantástica viagem ao tempo vendo fotos dos “bigodões”, barões da época,
pode-se recriar o universo daquele dia. O evento contou com plantio de mudas
vindas do horto botânico de São Paulo. Cerca de 500 crianças das escolas da
cidade plantaram 242 mudas de vários tipos como faveiro, peroba, carvalho,
guarantã entre outras, incluindo a única remanescente, que é a palmeira
centenária, localizada em frente ao Colégio Coronel Justiniano Whitaker de
Oliveira.
A 1° Festa das Árvores repercutiu nacionalmente, e teve a participação de
integrantes da comitiva presidencial, enviada especialmente ao evento. Na
comitiva constaram personagens renomados como o governador do Estado de São
Paulo, Bernadino José de Campos Júnior e o prefeito de São Paulo Antônio Prado.
Há 10 anos o Escritor Wenilton Daltro, publicava o livro "História da 1ª Festa das Árvores do Brasil |
Daltro relata no livro que a imprensa compareceu em peso. “Jornais
conceituados da época como Estado de S.
Paulo e Jornal do Brasil mandaram
repórteres para Araras, a fim de fazer a cobertura da festa. O Jornal do Brasil produziu o ótimo
suplemento “Revista da Semana”, e o Correio
Paulistano enviou o jornalista Amadeu Amaral, que realizou a cobertura mais
completa do evento”, comentou o biólogo.
Em relação a importância de seu livro no contexto atual, Wenilton
acredita sem falsa modéstia que sua iniciativa teve papel importante no
despertar da consciência ecológica. “Penso que, por sua importância para a
história do conservacionismo no país e pelo pioneirismo de Araras nesta área, o
livro será uma obra que só crescerá em valor com o passar dos anos, pois trata
de um assunto – a Ecologia – que é de importância não só para a cidade, mas
também para o Brasil”, relatou Daltro.
Wenilton ao finalizar a entrevista incentivou os jovens artistas,
escritores e fomentadores culturais para que realizem e resgatem uma festa em
homenagem às árvores. “Necessitamos de uma festa anual das árvores, que seja
divulgada em todo o país, bem como de um museu que recolha tudo o que foi
escrito, documentado e materiais afins sobre a festa. Este evento anual poderia
ser temático, fazendo-se shows e concursos com artistas que trabalham com
material do gênero, ou seja, pintores naturalistas, músicos que compunham obras
com teor ecológico, fotógrafos da natureza, etc”.
Trabalhos artísticos produzidos com papel, expostos na feira de artesanatos na Praça Imprensa Fluminense em Campinas |
Arte de Papel
"A única decisão verdadeiramente ética
é cada um tomar para si a responsabilidade de sua própria existência e da de
seus filhos" - Bill Mollison
Até quando vale
a pena consumir a granel? O que podemos fazer para vivermos bem sem ferir o
futuro do planeta? Nossa responsabilidade pesa muito na balança da
sustentabilidade. Dentro do ciclo da vida, precisamos compreender que somos
responsáveis diretos pela nossa existência e a do próximo.
Agora, como a
arte pode ajudar a acordar as pessoas para a luta em salvarmos o planeta?
Aos fins de
semana na cidade de Campinas ocorre a feirinha de artesanato no Centro de Convivência
Cultural Carlos Gomes, localizado na Praça Imprensa Fluminense. As barraquinhas
se espalham pela larga e ampla praça que oferece artesanatos dos mais variados
tipos desde trabalhos com telhas até roupas e antiguidades. Quase que escondido
em meio a tantos artesanatos, uma barraca chama atenção pela novidade da
proposta artística: a arte com papel.
O trabalho é
desenvolvido pelo publicitário Beto Samu, que também possui projetos de
educação social em Valinhos, cidade onde reside. Beto trabalhou por 20 anos no
mercado publicitário e se cansou da vida cotidiana movida ao consumo
desenfreado. Cansado da rotina massacrante do trabalho movido a resultados,
Beto optou por diminuir o ritmo de seu trabalho publicitário preocupado em
levar uma vida sustentável com mais compromisso ao próximo. “Meu padrão de vida
era muito bom, chegava a ganhar cerca de 5 mil por mês. Porém levava uma vida
desregrada que prejudicava minha saúde e cheguei a pesar 90 quilos. Hoje vendi
meu carro e só ando de carona, pois penso que assim contribuo para o meio
ambiente, sem contar que tenho mais interação com as pessoas do meu condomínio”,
comentou Beto.
Há cerca de dois
anos Samu teve contato com a permacultura, que é um método holístico
desenvolvido pelos australianos Bill Mollison e David Holmgren na década de
1970 e visa planejar, atualizar e manter sistemas de escala humana (vilas ou
aldeias) ambientalmente sustentáveis, socialmente justos e financeiramente
viáveis.
Artista plástico Beto Samu que utiliza o papel com matéria prima para sua arte |
A partir desse
contato com a permacultura começou a desenvolver também o trabalho artístico
com papel tecendo arte com reciclagem. “Reaproveito papel despejado no lixo de
meu condomínio e também dos supermercados e produzo peças artísticas como
mandalas, cortinhas de papel, brincos, baús e até porta papel e chaves. Com
isso crio possibilidades de diminuir o impacto do lixo no meio ambiente”,
explica. Samu ainda explica que sua arte, como por exemplo, as mandalas, tem
como inspiração a própria natureza. “Vou formatando as mandalas com um canudo
produzindo desenhos que copiam a natureza”,comenta Samu.
O artesanato de
Beto transcende o intuito artístico. Com um misto de atitude, talento e
criatividade o artesão não se contenta só com a arte em si. Na verdade seu
papel com o “papel” é apenas uma dos apêndices do seu objetivo real. O artesão
tem como projeto aliado a arte, a conscientização em sustentabilidade.
Realizando oficinas e dinâmicas de grupos para crianças e adultos Beto
conquista seu maior desejo: unir o sonho com o desenvolvimento pregando a arte,
educação e solidariedade. “Promovo a educação social em minha comunidade
aplicando dinâmicas de grupo. Recentemente idealizei o jogo da sustentabilidade
que tem por objetivo fomentar o envolvimento das pessoas com o desenvolvimento
sustentável através de jogos de palavras, para que depois criem em suas casas
ou no emprego, planos de ação sustentável”, explica Samu.
Junto com os
diversos trabalhos espalhados na banquinha de Samu, vemos publicações
produzidas por ele como os livretos “Dicas para uma vida sustentável”, que
contém explicações sobre desenvolvimento sustentável, os nove erres da
sustentabilidade e quinze dicas essenciais para aplicarmos em nosso cotidiano
como compostagem de lixo, compra coletiva, reciclagem e o encontro de trocas,
onde podem ser trocados serviços como aulas de inglês ou música por outros
produtos como alimentos, CDs ou até livros e roupas.
A intenção de
Beto é promover mais oficinas e atuar cada vez mais nas comunidades
conscientizando que é possível acabarmos com o lixo, mesmo que isso seja um
sonho ainda inatingível para a maioria da população. “Hoje em minha casa o lixo
é praticamente zero. Reaproveito o lixo e transformo em arte ou mesmo em adubo
para as hortas de permacultura”, conclui Samu.
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